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A FÊNIX DA SÉTIMA
ARTE ALAGOANA

Conheça a história do Cinema de Rua de Pilar, restaurado após três décadas em ruínas

Matheus Guilherme

"Hoje tem filme de índio, hoje tem filme de índio!"

Era o que gritava pela cidade de Pilar, interior de Alagoas, Eurípedes Lima, dono do Armazém da Praça e irmão de Vespertino Lima, proprietário do Cine Éden localizado na Rua João Carlos Cabral, no Centro do município. Os filmes de Índio eram a grande atração do pequeno cinema de rua da cidade na década de 1920. Por não existir outra forma de divulgação, o irmão de Vespertino usava a própria voz na porta do cinema e nas redondezas para se comunicar com a população.

O Cine Éden surgiu em 1924 com projeções de filme mudo, sem a instalação de um sistema de som. Os filmes eram acompanhados pelo toque do piano ministrado por Dona Maria Eunice que ficava ao lado do palco do cinema. Nessa época além dos filmes do índio, Charles Chaplin reinava nas telonas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dentro do estreito cinema os bancos de madeira e sem braço eram disputados nas noites pelas crianças e casais, resultado da voz publicitária de Eurípedes. Além desses fatos, pouco se lembra desta época onde só se ouvia o instrumento e os risos dentro das sessões.

Isso tudo muda em 1948 com a chegada de Albino Pimentel, empresário Pernambucano que tinha acabado de adquirir a Companhia Pilarense de Fiação e Tecidos, fundada em março de 1892. A fábrica de tecidos era a grande fonte de trabalho do município. Mas Albino não fica muito tempo pela região.

Após adquirir o empreendimento volta para a cidade de Goiânia em seu estado e entrega a propriedade nas mãos de seu filho, Hilton Pimentel, que passa administrar o local e torna-se um grande nome na cidade, comprando casas para os trabalhadores da sua empresa e construindo o Cassino Pilarense, onde os seus funcionários e toda a classe trabalhadora se reuniam aos finais de semana para festejar no clube, isso porque existia um outro local destinado apenas para a classe alta.

Como todo morador daquele interior ele também se rendeu a propaganda de seu Eurípedes Lima, visitando o Cinema, porém, conhecedor das novas tecnologias do Brasil, não se agradou com o que viu e ouviu, ou melhor o que não ouviu. As cadeiras eram desconfortáveis, as projeções não tinham áudio, e o som do piano não o motivava. Hilton então realiza uma oferta e compra o prédio do Cine Éden com o interesse de modernizá-lo, comprando também as instalações do bar ao lado, onde os cavalheiros costumavam beber antes das sessões. E nesse contexto o proprietário da fábrica de tecidos começa a mudar a história do cinema de rua de Pilar.

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Foto 1: Fotografia da Praça de Pilar na época do Cine Éden, retirada da torre da matriz - Arquivo José Inaldo

Foto 2: Fotografia retirada ao lado do Armazém de  Eurípedes Lima - Arquivo José Inaldo

Foto 3: Companhia Pilarense de Fiação e Tecidos - Ilustração Brasileira / setembro 1946

Foto 4: Cine Éden e Bar a sua direita - Arquivo José Inaldo

Foto 5: Vista aérea da Companhia Pilarense de Fiação e Tecidos - Arquivo José Inaldo

Foto 6: Rua João Carlos Cabral com Cine Éden a direita - Arquivo José Inaldo

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DO CINE ÉDEN AO CINE PILARENSE

Ampliando o cinema, mudando o nome a estrutura e trazendo maquinário novo e moderno, a nova atração da cidade era o Cine Pilarense agora estendido até a praça Rui Barbosa. Com 365 cadeiras novas e um sistema de som, as seções ficavam lotadas. Os visitantes agora podiam prestigiar os diálogos existentes em cada película. E isso foi uma grande revolução naquela cidade.

A televisão já ganhava espaço em alguns poucos lugares do mundo, como Estados Unidos, Inglaterra e França, no Brasil ela chega dois anos depois da abertura do Cine Pilarense. Mas a novidade não atrapalha a rotina tumultuada das telonas nesse momento. A única emissora do país, a TV Tupi, não reproduzia uma programação continua, mas isso não era uma preocupação, o cinema ainda era a melhor opção, uma vez que em Pilar dos anos 1950 o entretenimento caseiro ainda era outro “quem era rico no Pilar tinha um rádio”, lembra José Inaldo, historiador do município e assíduo frequentado do Cine Pilarense.

Conhecido e amado por todos, o então proprietário do cinema também tinha uma carreira política em Alagoas como Deputado Estadual, que segundo historiadores, era muito conturbada e conflitante por se opor ao Governo do Estado, na época, Silvestre Péricles.

“Aqui m Pilar existia um líder do governo que o povo não votou e escolhendo o Hilton Pimentel. O povo gostava dele porque ofertava muitas coisas as pessoas, até time de futebol ele fundou aqui, só que o governador não gostou e passou a persegui-lo. Silvestre mandava os capangas vir na companhia, pegava um operário ou dois e dava uma pisa. Ele foi muito perseguido”, destaca o historiador.

As dificuldades na Assembleia Legislativa fizeram com que o deputado se deligasse do estado, vendendo por preços muito abaixo do valor real, os prédios por ele erguidos no município de Pilar, e também foi assim com o Cine Pilarense.

“Isso tudo fez com que Hilton Pimentel doasse muita coisa. As casas da avenida tudo pertencia a ele e ele saiu vendendo de graça ou doando aos operários. Vendeu o cinema de graça, vendeu o cassino e foi embora daqui.”, completa José Inaldo.

O homem que trouxe o progresso da inovação deixou a cidade e entregou o cinema na mão do empresário Aldo Arruda que comprou o prédio, mas não tocou o negócio, e ainda assim não era o fim do cinema, iniciava uma nova fase. Hilton Pimentel deixa sua marca na cidade e na história do cinema, mas a sua partida do município abre espaço para um novo personagem entrar nessa história: Rubens Barros.

Na década de 1960 Rubens Barros assume a terceira fase do cinema de Pilar, agora mais moderno com geradores automáticos que eram mais fáceis de consertar, quatro grandes ventiladores, um gerador de energia, uma vez que a cidade não possuía uma rede elétrica de qualidade, e o melhor era programação diversificada oferecida pela nova gestão.

A divulgação dos filmes era feita nas duas placas da frente do cinema e ainda contavam com a colaboração de Júnior Landi que escrevia grandes legendas para espalhar nos postes pela cidade anunciando o filme em cartaz “Ele escrevia: ‘hoje tem filme do Durango Kid’, o povo gostava muito desses filmes”, lembra com empolgação José Inaldo.

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"UM VERDADEIRO ENCONTRO SOCIAL"

Todas as noites durante a semana o cinema abria as portas, mas o grande fluxo acontecia aos domingos e feriados. Três sessões eram realizadas, uma matinê para as crianças e um filme que passava em duas sessões diferentes pela noite. Dona Terezinha Costa, 73 anos, era uma das muitas pessoas que frequentavam as sessões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O relato de dona Terezinha nos faz viajar até o Pilar da segunda metade do século passado. O povo vinha de todos os lugares para ver a programação do Cine Pilarense. Tratores, caminhonetes, cavalos, de todo modo as pessoas se chegavam; donos de fazendas disponibilizavam caminhões para trazer o povo até a cidade, desciam também pessoas das usinas e ônibus traziam os moradores da parte alta, o centro do município ficava absurdamente movimentado como uma grande festa. “Era um verdadeiro encontro social. Muito homem conheceu sua esposa na sessão do cinema”, destaca José Inaldo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E assim de domingo em domingo, o cinema ia lucrando cada vez mais com os filmes que vinham de Recife para o Cinema São Luiz em Maceió e eram redistribuídos para os cinemas de rua da capital e do interior.

 

MUITO MAIS QUE UM CINEMA

Foram quase vinte anos com essa gestão. Anos de ouro, onde as produções cinematográficas eram esperadas pelo grande público que lotavam as sessões. Mas se engana quem pensa que apenas filmes eram exibidos nesse lugar. O teatrólogo e jornalista Jorge Barros, irmão do proprietário, aproveitava o espaço para realizar espetáculos artísticos, como recorda José Inaldo.

Waldick Soriano e o mágico Yangui Chu também se apresentaram no palco do cineteatro que viveu seus tempos de apogeu até meados da década de 1980.

 

Segundo Maria Viviane de Melo, Professora do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) e Integrante do Núcleo de Estudos em História e Cinema (NEHCINE/UFSC), o fechamento das salas de cinema na década de 1980 não foi um fato isolado da cidade de Pilar, nem mesmo em Alagoas, um fenômeno semelhante aconteceu em outros lugares como Minas Gerais, Ceará, Bahia, e tantos outros.

Cine Pilarense: Show de CalourosJosé Inaldo
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Cine Pilarense: O fim do CinemaSérgio Moraes
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Declínio e ascensão das salas de cinema pelo Brasil no final do século 20 e no início do século 21, respectivamente - Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual 

Acima, Cine Pilarense - Arquivo José Inaldo.

Ao lado, Hilton de Lima Pimentel ao lado de sua esposa Maria Moreira de Lima Pimentel - Arquivo da família.

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“Dona Auristela falava que chegou a ter sessões com apenas quatro pessoas, mas como o pessoal já tinha pago, o filme era exibido”, comenta o historiador. A falta de interessados começou a prejudicar o andamento do cinema que acabou fechando as portas, permanecendo assim até a década seguinte quando foi vendido a prefeitura. A concentração dos equipamentos cinematográficos em shopping centers também influenciou nesse declínio.

O prédio que foi sede do maior cinema de rua do Pilar e um dos últimos a fechar as portas no estado de Alagoas, passou a ser propriedade do município, servindo como depósito, secretaria e anexo da câmara de vereadores. Sem reformas a antiga estrutura começou a se deteriorar, e aos poucos o telhado foi cedendo, fazendo com que o espaço voltasse a ser fechado e abandonado por quase trinta anos.

"O CINEMA RESURGIU DAS CINZAS"

Em 2011 o prédio foi tombado pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC) e integrado ao Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Estado de Alagoas, mas foi apenas em 2018 que a prefeitura decidiu iniciar uma obra de restauro do monumento que durou dois anos. A iniciativa era devolver à cidade o prédio do antigo cinema e com ele tornar vivo e presente as lembranças da época em que a sétima arte era venerada pela população do interior.

“Muitos acharam que uma reforma não seria possível, que não existia mais público, até que a obra foi iniciada com um trabalho de arquitetura preservando a fachada. E como eu digo, o cinema ressurgiu das cinzas, a gente conseguiu ver ele reerguido”, e completa, “Hoje a gente escuta o testemunho das pessoas dizendo ‘que maravilha, parece inacreditável isso aqui: o cinema de Pilar de portas abertas novamente”, relata Sérgio Moraes, atual diretor do Cine Pilarense que fez parte de todo processo de restauro do prédio.

Observando as antigas fotografias e os depoimentos de quem viu o passar dos anos, é possível observar que a estrutura do prédio do centro do município recebeu algumas mudanças ao longo das décadas. Aloisio Carvalho, mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), explica em um podcast as transformações na edificação.

Segundo o diretor do cinema, não existe nenhuma fotografia do interior do prédio em seus tempos de glória do passado, mas poucas mudanças foram feitas. O palco não é tão alto como antes, assim como a tela tem um tamanho menor; ventiladores não existem mais, sendo substituídos por ares-condicionados, e agora o cinema conta com uma quantidade de banheiros proporcional ao público e com acessibilidade. Sem falar nas 135 poltronas modernas e confortáveis, em comparação as antigas cadeiras de madeira, colocadas por Hilton Pimentel, preservadas para observação na entrada do cinema.

As trasnformações arqitetônicas do Cinema de PIlarArquiteto Aloisio Carvalho
00:00 / 03:31

 

ABERTO OUTRA VEZ

 

A reabertura, que antes estava prevista para o aniversário de emancipação política da cidade, no mês de março de 2020, foi adiada pela chegada da pandemia, sendo restrita apenas para autoridades e pessoas envolvidas na reforma e transmitida para população pelas redes sociais. O monumento passou a sediar reuniões municipais até que, por meio de um decreto municipal, pôde realizar a sua primeira sessão depois de quase trinta anos. Na época o Governo do Estado de Alagoas proibia a abertura de cinemas e outros meios culturais com o objetivo de conter o avanço da pandemia.

Por duas vezes as exibições foram interrompidas até o momento, mas quem visitou o lugar testemunha a emoção de voltar.

“Ver o Cine Pilarense funcionando outra vez é uma imensa satisfação, porque esta arte cênica ficou fechada durante 30 anos, deixando a sociedade pilarense impossibilitada de prestigiar os grandes filmes. E hoje, em pleno século 21, termos novamente o Cine Pilarense, e é uma imensa alegria reviver bons momentos que já vivi naquele espaço físico, e agora, ao lado do meu filhote. Foi muito prazeroso, tem sido prazeroso”, relata a professora Elizaneide Costa.

Nas redes sociais o diretor do cinema mostra o dia a dia da casa com publicação das visitas e eventos lá realizados. O palco voltou a receber peças teatrais, a telona voltou a reproduzir películas que marcaram época além de filmes da atualidade, as cadeiras outra vez foram ocupadas e as filas na antiga bilheteria do seu Narciso voltaram a ser formadas. Mesmo sem sessões o cinema fica aberto para visitação durante a semana em horário comercial e agendamento para congressos ou espetáculos artísticos podem ser feitos por meio das redes sociais da direção.

“Se pensarmos que durante a pandemia criaram cine drive-in para exibição de películas que já foram exibidas na TV ou no próprio cinema, percebemos como a necessidade de se encontrar num local para ver algo específico atrai um grande público. Não é só o filme, é um mundo visto pelas grandes telas.”, enfatiza a Professora Maria Viviane de Melo.

Hoje, talvez pela pandemia, ainda não é possível observar uma rotina dominical dos tempos passados, como a documentada nessa reportagem, mas mesmo com poucas pessoas dentro das sessões, conseguimos sentir a sensação do que é frequentar o templo da imagem no interior, a socialização presenteada por um cinema de rua.

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10 de junho de 2021

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